Aos 82 anos, a professora aposentada Loyde de Carvalho Fagundes faz hidroginástica, frequenta o clube, faz psicoterapia, escreve poemas e está sempre ligada nas notícias. Na terceira idade, passou a ter como lema um famoso ditado popular, só que adaptado por ela: “Mente vazia, oficina do Alzheimer, por isso tento sempre me ocupar.”
A rotina do engenheiro aposentado Mauricio José Tosi Ferreira Lemos, de 85 anos, não é menos agitada. Ele é conselheiro do condomínio, faz aulas de dança, participa de excursões aos fins de semana e acaba de ingressar no curso repórter 60+, voltado para idosos com vontade de aprender um pouco mais sobre jornalismo. “Tem gente que é caseiro. Sou ‘rueiro’, não gosto de ficar quieto, não”, conta, aos risos.
Loyde e Lemos fazem parte de um grupo seleto que começou a ser estudado nos últimos meses por uma rede formada por três instituições de pesquisa brasileiras: as Universidades de São Paulo (USP), Federal de Minas (UFMG) e Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). No fim do ano passado, elas se uniram para tentar descobrir os segredos dos chamados superidosos – indivíduos com mais de 80 anos que apresentam desempenho cognitivo, principalmente no campo da memória, compatível com o de uma pessoa 20 ou 30 anos mais jovem.
Com o envelhecimento da população e o aumento do número de pessoas com mais de 80 anos, os pesquisadores querem entender o que faz os cérebros dos superidosos serem mais resistentes aos efeitos do avanço da idade, investigação que daria pistas de como prevenir ou adiar quadros de Alzheimer ou outras demências.
“Estudar isso abre a perspectiva de saber se essa característica é mero acaso ou se há algo ao longo da vida que fez com que esses superidosos obtivessem um envelhecimento bem-sucedido. Queremos saber se é só genética ou se há algo mais”, destaca Ricardo Nitrini, professor de Neurologia da USP. “Em vez de se estudar só os indivíduos com demência e ver o que de ruim fizeram, a ideia é pegar um indivíduo que está bem e descobrir o que de bom ele fez.”
Ele e seu doutorando, o neurologista do Hospital das Clínicas Adalberto Studart Neto, já estão estudando dois casos identificados como superidosos e buscam mais voluntários. “O tema tem despertado cada vez mais interesse na comunidade científica, mas a dificuldade é encontrá-los. São raros, por isso juntamos esforços com outros grupos, para ter uma casuística maior”, explica Nitrini.
Segundo Studart Neto, os primeiros testes realizados pelos grupos para identificar superidosos são os neuropsicológicos, capazes de mostrar o desempenho desses pacientes em várias funções cerebrais. “O principal teste que se usa é o RAVLT (teste de aprendizagem auditivo-verbal de Rey, na sigla em inglês), que avalia a memória tardia espontânea. A pessoa é exposta a 15 palavras por cinco vezes; em seguida entra em contato com outras palavras e, após 30 minutos, tem de repetir as 15 palavras iniciais”, detalha.
Com a perda da capacidade de memorização, natural ao envelhecimento, o esperado para a faixa dos 80 anos é que os participantes recordem de sete a oito palavras, mas, entre os superidosos, a média de memorização é de mais de dez palavras – desempenho compatível com o de alguém de 50 a 60 anos.
Na PUC-RS, primeira a iniciar os estudos com superidosos, em 2015, já há dez com alto desempenho cognitivo. A experiência do grupo, liderado pelo neurocientista Jaderson Costa da Costa, diretor do Instituto do Cérebro do Rio Grande do Sul, os levou a mudar concepções. “O conceito de super-agers (em inglês) foi criado nos Estados Unidos. Por isso, em consenso com os professores Nitrini e Paulo Caramelli (UFMG), adaptamos a definição para o cenário brasileiro, considerando superidosos os maiores de 75 anos com desempenho cognitivo de pessoas mais jovens”, diz Wyllians Vendramini Borelli, da PUC-RS.
Com as investigações no País e no exterior, já há pistas sobre as características dos idosos de alto desempenho. Algumas áreas do cérebro relacionadas a memória e motivação, por exemplo, são mais desenvolvidas ou ativas nos superidosos. Na parte comportamental, eles são, na maioria, ativos, otimistas e sociáveis.
Na prática
Para Loyde e Lemos, não há dúvidas: cabeça ocupada e uma vida feliz pelo menos contribuíram para a memória excepcional. “Posso dizer que o que fiz na minha vida me ajudou. Sempre tive muitos amigos, busquei boa saúde, me interessei em ampliar minha cultura”, conta o aposentado.
Loyde diz que exigências que a vida lhe impôs renderam bons frutos. “Tive oito filhos, trabalhava fora como professora, tinha de cuidar deles e preparar as aulas e ainda fiquei viúva cedo. Isso me obrigou a ter uma vida bem ativa. E é nisso em que acredito: para ficarmos fortes, tem de preparar o cérebro: ele estar sempre bem cultivado.”
‘Reserva congnitiva’
A ideia de acumular economias para chegar à velhice vale para a saúde mental. Para Yaakov Stern, professor do Departamento de Neurologia da Universidade de Columbia, em Nova York, deve-se ter uma reserva cognitiva – conceito criado para determinar a capacidade que o cérebro tem de se adaptar melhor aos danos sofridos ao longo da vida, entre eles o processo de envelhecimento. Essa reserva explicaria, por exemplo, por que algumas pessoas com os mesmos níveis de lesão cerebral encontrados em exames de imagem demoram mais a manifestar quadros de demência, como o Alzheimer.
Essa capacidade do cérebro depende apenas da genética ou podemos fazer algo para melhorar essa reserva cognitiva?
Acredito que isso é influenciado por muitos fatores, não só por questões genéticas, mas pelo nível de educação, tipo de ocupação, pelas atividades que a pessoa desempenha na vida.
Podemos pensar em fazer uma reserva cognitiva como pensamos em uma reserva financeira?
Bem, a expressão surgiu um pouco dessa ideia: construir uma resiliência que te permita viver melhor. Não é exatamente uma reserva igual à financeira, mas, como há vários fatores que influenciam, podemos pensar um pouco assim.
Muitos pensam que só é possível desenvolver as funções cerebrais durante a infância e a juventude. Essa crença está correta?
Não. Há boas evidências de estudos que acompanharam pessoas desde a infância e mostraram que a educação formal e o QI são importantes, mas todas as outras atividades realizadas durante a vida podem contribuir também. Ou seja, você não deve desistir em uma idade avançada mesmo que tenha tido baixa escolaridade. É sempre possível fazer mais. Participar de atividades sociais, fazer exercícios, tudo isso também faz bem para o cérebro e pode fazer diferença.
Muitas pessoas nas grandes cidades reclamam de participar de atividades em excesso. O que é melhor para o cérebro?
É óbvio que deve haver equilíbrio. Não adianta a pessoa querer fazer mil coisas diferentes e ficar estressada, porque o estresse não é benéfico.
(As informações são do jornal O Estado de S. Paulo)