Assumir lugar de fala nunca foi decisão tão presente. Para o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), a participação de adolescentes em consultas e debates públicos não deve mais ser vislumbrada como futuro, e sim parte da política do Brasil presente. Pensando nisso, a instituição lançou nesta terça-feira, 14, o projeto Saia do Muro, espaço para inclusão de novos votantes no debate eleitoral.
O lançamento ocorreu na sede do Ministério Público do Trabalho no Ceará (MPT-CE). O POVO, MPT-CE, Tribunal Regional Eleitoral (TRE) e Associação para o Desenvolvimento dos Municípios do Estado do Ceará (APDM-CE) são parceiros. A primeira edição do Saia do Muro ocorreu há 16 anos, em 2002. Agora, o objetivo é entender o que mudou na cabeça dos adolescentes.
A inserção dos jovens no debate político começa a partir de pesquisa – e a formulação dela – por meio da plataforma U-Report, presente em mais de 40 países. Pesquisa preliminar aponta que apenas 51% dos adolescentes consultados sabem o que são as eleições diretas. Outros 48% disseram não saber o que fazem os representantes do Legislativo e do Executivo.
A plataforma é gratuita e usa SMS, Facebook e Twitter para saber a opinião dos jovens e adolescentes para contribuir com o fortalecimento da voz dessas adolescências. Ao todo, 38.833 jovens estão cadastrados. Desses, cerca de cinco mil estão no Ceará, o Estado mais presente no sistema. Jovens de 15 a 19 anos são maioria no programa desenvolvido pelo escritório de inovação da Unicef no Quênia e representam 44% dos participantes.
Coordenador do escritório da Unicef em Fortaleza, Rui Aguiar diz que era “uma inquietação saber como pensavam meninos e meninas em 2002”, o que acabou motivando a criação do projeto. “Nasceu desse espaço de escuta. Quem estava dando opinião naquele ano agora está no poder ou tem algum poder. Quem chegou agora tem o poder de fala, e nós temos que escutar. Todos nós temos a obrigação de escutar”.
Na primeira edição do Saia do Muro, o ponto de partida era tentar formar uma geração mais estimulada ao voto destacando a solicitação do título de eleitor. Fazia apenas 21 anos desde a ditadura militar, processo de redemocratização até então recente e não necessariamente estabilizado como direito conquistado para quem estava para entrar votar pela primeira vez.
Historicamente, o cenário não é tão é diferente em 2018. Contudo, mais políticas públicas de educação, saúde e assistência social percorreram longo caminho de descentralização. “Em 2002, o debate estava em torno de como essas políticas públicas chegavam para todos. A principal preocupação dos adolescentes era em relação ao trabalho”, diz Rui Aguiar.
Foi também naquele período que se destacavam as discussões sobre questões de identidade, como orientação sexual, raça, etnia e pertencimento a grupos econômico e de território. “A expectativa agora é que a gente aprofunde a visão dos adolescentes sobre as questões mais sociais, como projeto de vida. Queremos oferecer aos candidatos as respostas como um farol que ilumine os planos de governo que vão ser estruturados”, explica. A tendência é que a população esteja mais madura hoje para discutir esses temas.
- Para além da democracia passiva
Juiz do TRE-CE e diretor da Escola Judiciária Eleitoral, Roberto Viana diz que é preciso transceder a democracia convencional. “Queremos a democracia material. Esses jovens precisam assumir seu lugar de fala, não só na democracia passiva com o voto, mas efetivamente entrar na política para acabar com o déficit que há. A política tem suas mazelas, mas não há salvação fora da atividade política sadia”, afirma.
“Há um ambiente democrático mas ainda não exercido da melhor forma, como a própria constituição estabelece de efetiva participação. Os adolescentes devem ser ouvidos neste momento de eleição para que eles estejam atentos às propostas dos candidatos, o que está sendo debatido e ao que acontece depois das eleições”, diz o procurador do MPT, Antonio de Oliveira Lima. “Não é só votar. É monitorar, avaliar, cobrar. Eleitos devem tomar decisões em consonância com os eleitores”.
A reedição do projeto
A oficial de programas da Unicef da área de desenvolvimento e participação de adolescentes, Gabriela Mora, explica que a ideia da reedição é construir os novos questinamentos junto com os adolescentes da contemporaneidade.
“Queremos entender com esses jovens quais são as prioridades. Partimos do que já existia do Saia do Muro em 2002, até pra fazer uma comparação e ter um resgate histórico. São os adolescentes que vão validar os temas”, aponta. “De que forma essa adolescência de agora dialoga com a adolescência de 2002? O que mudou? O que a gente tem de desafio? A Unicef vai utilizar esses dados pra dialogar com os candidatos”.
“A proposta é que os adolescentes não só nos ajudem a formular essas perguntas, mas também que eles possam mobilizar seus pares. Teve gente que acordou 2, 3 horas da manhã pra estar aqui. É valioso esse momento”, continua Gabriela Mora. “O que importa é ter a diversidade representada, com equalidade de gênero e contemplado pessoas que moram na zona rural, na zona urbana. Diferentes adolescências precisam estar representadas”.
Morador de Aquiraz, município da Região Metropolitana de Fortaleza, Felipe Oliveira, de 17 anos, diz que o mergulho no Saia do Muro pode abrir a mente dos estudantes na tomada de decisões políticas. “É importante falar sobre isso porque o erro não está só na política, mas também na sociedade. Temos que ser como um grupo que se ajuda, contribuindo na formação de um Brasil com mais igualdade”, opina o estudante do nono ano.
A política é tema recorrente nas conversas dele com o pai, que ele considera “do contra”. “Meu pai não terminou os estudos porque não conseguia trabalhar e estudar ao mesmo tempo. As coisas são diferentes para quem tem mais condição financeira e para a classe mais pobre. É preciso eleger lembrando disso”.
Em 2003, a edição original do Saia do Muro venceu o Prêmio Ayrton Senna de jornalismo, recebido pelos jornalistas Cristiane Bonfim, Déborah Lima, Émerson Maranhão, Erick Guimarães, Roberto Maciel, Rodrigo de Almeida e Valdélio Muniz.
- Projetos parceiros Realizado pelo Instituto Albanisa Sarasate, O POVO Educação colabora para a formação de leitores e escritores críticos com a sociedade.
Iniciativa do TRE, o Eleitor do Futuro trabalha para promover a educação política de adolescentes entre 12 a 17 anos, especialmente das escolas públicas.
Criado em 2008 pelo MPT-CE, o Programa de Educação contra a Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Peteca) engaja professores para ajudar a garantir o direito a educação plena. A Peteca reduziu, em 10 anos, 70% do trabalho infantil no Estado.
Realizado pelo PDMCE, o Eu Sou Cidadão abraça crianças de 90 municípios contribuindo para o protagonismo juvenil a partir da literatura correspondente ao universo dos adolescentes.
Ação do Selo Unicef, o Núcleo de Cidadania dos Adolescentes (Nuca) articula a mudança de local e valorização do talento de adolescentes por meio da formação.